Lara Marinho
2 min readFeb 4, 2024

A mulher que não pude salvar

Aprendi a definição da palavra frustração muito cedo na minha vida, a primeira vez que me senti frustrada eu tinha 8 anos e queria muito um carrinho de controle remoto, que nunca ganhei.

Depois de alguns anos me senti profundamente frustrada quando era adolescente e minha mãe, por influência da minha irmã mais velha, não me deixou mais ir para as viagens que eu fazia para o interior com uma amiga, tudo porque lá eu tinha amigos tatuados.

Mas, a palavra frustração ganhou um novo contorno hoje, já adulta, quando reflito sobre essa mulher. A mulher que não pude salvar. A mulher que tentei exaustivamente, ano após ano, salvar. Eu diria que agora entendo que as vezes o patriarcado nos vence mesmo, vence pelo cansaço. Estou tão cansada de lutar contra ele que sinto que entreguei os pontos, desisti…

Por anos lutei para que minha mãe fosse menos maternal, fosse menos ligada à maternidade compulsória. Por anos lutei para que ela buscasse a si, se definir, para além da maternagem, tentei mostrar que a medida que eu crescia não precisava que ela exercesse a função de cuidado como antes. Por um tempo até senti um avanço, um progresso. Mas, agora que não moro mais com ela, assisto tudo que construir se desmoronar. Assisto aos poucos o patriarcado e a sufocante função de maternar (os filhos e os netos) sugarem qualquer autonomia dela, sugarem sua capacidade crítica, reflexiva…

E, inevitavelmente isso nos afasta. É muito triste saber que quando luto por um mundo melhor para as mulheres, esse mundo não abrangerá uma das mais importantes da minha vida. É frustrante saber que ela está envelhecendo e qualquer perspectiva de mudança se torna cada vez mais distante. Não porque eu acredite que a velhice é o fim, mas, porque ela envelhece com a postura de enrijecimento que muitas mulheres mais velhas tomam. Se tornar avó e assumir o compromisso de cuidado dos netos somado à minha ausência em seu dia a dia, trouxe a ela velhos padrões de volta… Agora, o que me resta é aprender a lidar com essa frustração. Aprender a lidar com o fato de que não sou uma salvadora e que não conseguirei libertar todas as mulheres de suas correntes. E de perceber que, apesar de feministas, estou profundamente presa, percebendo que a libertação é realmente coletiva, que -citando Audre Lorde — eu não serei livre enquanto outras mulheres não forem, mesmo que suas amarras sejam diferentes das minhas.

Lara Marinho, professora de história, mestranda na PPGH-UFG, estudante de direito.

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Written by Lara Marinho

Historiadora, mestranda. Escrevo por paixão, por ofício, por necessidade...

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