Beleza Masculina

Lara Marinho
5 min readJan 14, 2020

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(Fonte da image: pinterest https://br.pinterest.com/pin/456059899764904244/)

Corpos de homens vestidos com roupas que teoricamente deveriam ser “femininas” sempre serão mais bonitos do que corpos de mulheres.

Essa não é minha opinião pessoal, mas sim um fato que foi socialmente construído ao longo do tempo. Qual a definição de beleza? Se não o que lhe foi ensinado? Beleza é algo construído socialmente e nós vivemos em uma sociedade masculinizada. Como diria Marilyn Frye, a única coisa que faz um homem ser hétero é o fato de que ele se relaciona sexualmente com mulheres, porque afeto, admiração e tudo o mais, ele sente por outros homens. Partindo dessa lógica podemos nos perguntar: qual o tipo de corpo ideal, vendível socialmente? A resposta é: corpos masculinos. Mesmo que o corpo em questão seja feminino e o corpo que mais é exposto seja o corpo feminino, ele deve ser, em algum nível, masculinizado… Os corpos que os homens cobram das mulheres são corpos masculinizados. A estrutura corporal feminina, em geral, não é naturalmente musculosa; não é naturalmente feita de músculos aparentes nas coxas, nas pernas, na barriga, nos braços. Mulheres podem ser esguias e ter corpos atléticos, mas é preciso um esforço para além da atividade física por saúde ou por prazer para que uma mulher tenha o corpo que atenda aos padrões masculinos. Na realidade, o que homens gostam é de corpos masculinos com seios grandes. Mas claro, seios não naturais, seios que sejam, de preferência, duas bolas de plástico que apontem para o céu.

Vamos nos poupar, é claro, dos pensamentos que ecoam, das vozes dos homens que dizem “eu não sou assim, eu gosto de mulheres reais, com curvas, de mulheres gordas ou naturalmente magras”, porque sabemos que quem controla os meios de comunicação, o mercado, a indústria e as mesas de cirurgias, são eles: homens. Então esses padrões estéticos que não correspondem com a realidade dos corpos femininos são padrões deles. Se admitimos que tudo mais na nossa sociedade é homoafetivo, é centrado aos homens, porque não assumimos que os gostos físicos dos homens são homoafetivos? Mesmo quando eles estão envolvidos em relacionamentos com mulheres, em relações heterossexuais?…

O padrão de beleza imposto às mulheres muda ao longo da história e muda de acordo com a sociedade a ser analisada. Na Europa o padrão já migrou de mulheres gordas à mulheres pálidas e com aspecto doentio, no breve Brasil pós-colonial o padrão já mudou tantas vezes que não irei me estender no assunto, mas… Nunca antes o padrão foi tão mono, nunca antes um sistema de dominação masculino foi tão bem sucedido como o capitalismo patriarcal o é. Dos Estados Unidos à Ásia, existe um traçado que podemos fazer de padrões de beleza, um traçado que é usado para que mulheres absolutamente distintas, únicas, autenticas em sua beleza, após algumas cessões em mesas de cirurgias, possam acordar no dia seguinte como “irmãs”. As cirurgias não me parecem promover uma diversidade, mas sim uma padronização… de bocas, narizes, formato de olhos, bochechas, sobrancelhas…. Esse padrão é branco, é europeu, é masculino. Quando o objetivo é transformar a pessoa em uma ideia de feminino, ela é uma verdadeira caricatura da mulher, tudo é demais… Seios grandes demais, bunda grande demais, cintura extremamente fina… Uma formatação corporal que me preocupa, pessoalmente, ao pensar na velhice desses corpos anti-anatômicos, que não resistiriam a uma queda, sem suas costelas… se o corpo padrão não é esse, ele ainda continua sendo o corpo branco, europeu, mas… Masculino.

A feminilidade já é uma invenção masculina impossível de alcançar por si só, pois feminilidade não envolve somente a forma de se vestir, envolve também, como mostra-nos Naomi Wolf em seu livro “O mito da Beleza”, que mulheres gastem 1/3 dos seus salários (já reduzidos por causa do seu gênero) em estética, em sobrancelhas, em bocas preenchidas, bochechas muxas, peles limpas, costelas e gorduras retiradas, seios fartos e vaginas rosas. Eu me pergunto qual é a parte do corpo feminino que é de fato aceita? A feminilidade mata, mata mulheres em macas, rouba-lhes tempo, saúde, e dinheiro. Mata a sanidade. Portanto, quando falamos “pare de reproduzir a feminilidade inventada para os homens” o que queremos dizer é: pare de se matar para alcançar os padrões deles! Para mulheres lésbicas, pelo menos as politicamente ativas, a recusa à feminilidade é uma das formas políticas de dizer “eu não pertenço a você, eu não existo para te agradar e eu não vou me curvar em nome da sua aprovação”. Mas para mulheres heterossexuais, em que agradar o parceiro sendo feminina faz parte da performance do romance, da conquista, negar a feminilidade é algo bem mais complicado. Por isso feminilidade não é sobre escolha: plásticas, maquiagens, depilação, procedimentos estéticos que não chegam a ser cirúrgicos, dietas, roupas, maneiras de comportamento, enfim, todas as formas de performance de gênero, são coisas impostas a nós. E nós nunca, nunca, vamos atingir os padrões. Quando uma mulher acha que atingiu o padrão, surgem novos padrões para se atingir…

print/foto tiradas do instagram pessoal do Pablo Vittar

Em gender hurts, Joffrey mostra-nos o caso de Suzanne Moore, uma jornalista que foi severamente criticada quando falou que o padrão de beleza atual se assemelha muito às mulheres trans brasileiras. É uma afirmação limitada, visto que existem vários padrões de beleza que são aceitos socialmente pelos homens, é limitada também porque reduz essas pessoas à um esteriótipo específico. No entanto, essa fala não é infundamentada, e ela vem de uma inquietação que muitas mulheres, mesmo sem conseguir teorizar, já sentem em si… Pois, as mulheres trans que ela provavelmente tem acesso, e as mulheres trans que de fato ficam famosas, são aquelas que mais tentam se adequar a uma “feminilidade”, gastando com isso muito dinheiro em inúmeras cirurgias plásticas e afins, mas ainda mantendo em si, em muitos casos, corpos masculinizados, em algum grau. Eu me atrevo a pensar que um dos padrões de beleza atual do Brasil, um dos vendíveis, isto é: um dos modelos mais oferecidos pelos centros cirúrgicos e clínicas de estética, além de salões de beleza e performance de maquiagem, é o padrão Drag Queen. O padrão “Pabllo Vittar”, e de tantos outros homens que estão se envolvendo com essa performance exacerbada e caricata da feminilidade, sem, no entanto, terem vivência como mulheres, sem sofrer com a realidade material ao qual as mulheres sofrem pela objetificação e hiper sexualização dos seus corpos desde o momento em que nasceram. Portanto, longe de ser progressista, tal performance é anti-feminista, anti-mulher, insensível à nossa objetificação e aos malefícios que isso trás. Esses homens considerados revolucionários são modelos para o que as mulheres deveriam ser, não só esteticamente,mas também de forma comportamental, já que todos eles encarnam personagens fúteis, burras, que não problematizam a sexualização feminina e a exploração dos corpos das mulheres, enfim, a revolução deles é fazer chacota com a nossa opressão…. Quando vemos os rostos das mulheres famosas atualmente no Brasil, percebemos que suas bocas, sobrancelhas, nariz, maquiagem, enfim, toda a formatação do rosto cirurgicamente construído, são muito mais próxima dos rostos das Drag do que dos rostos naturais de mulheres… O que molda essas “escolhas” cirúrgicas? Bom… Corpos de homens vestidos com roupas que teoricamente deveriam ser femininas sempre serão mais bonitos do que corpos de mulheres…

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Written by Lara Marinho

Historiadora, mestranda. Escrevo por paixão, por ofício, por necessidade...

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