Da Atualidade de Brecht
Sempre tive uma relação intima com a busca pela verdade. Quando entrei na graduação não sabia muito bem o que queria, queria ser escritora e — em minha inocência jovial — cursar história me daria uma base de conhecimento do mundo que me ajudaria a escrever com uma certa verossimilhança. Mas, a medida que me apaixonava pela história percebia que o que eu buscava era a verdade. Verdade sobre mim, em um olhar mais intimista, e sobre o mundo, de uma forma geral.
Logo percebi que haviam duas correntes opostas e muito fortes, aqueles que defendiam que a história era a busca pela verdade, pela raiz das questões levantadas, sejam elas quais forem, e que, de modo geral, uma historiadora devia ter um compromisso profundo com a verdade. Mas, haviam aqueles que olhavam para a verdade como uma imposição de um pensamento, de uma forma de ver o mundo, sobre outras. A busca da verdade seria algo ultrapassado, viveríamos no tempo da pós-verdade. A verdade e sua mera existência, seriam irrelevantes.
Acabei me enveredando para as correntes que buscam a verdade, apesar de tudo, tanto no feminismo quanto na análise do capital, por isso Brecht faz um sentido assustadoramente atual para mim. Em sua análise no texto “cinco dificuldades no escrever a verdade”, ele irá defender que a verdade é algo prático, efetivo e inegável, é como quando lemos uma análise social e sentimos aquela sensação da obviedade brilhante daquele pensamento, que retrata algo que estava na nossa frente, materialmente, e nós não enxergávamos. Por outro lado, a inverdade é algo de caráter genérico, sublime e ambíguo. Portanto, apesar de óbvia, a verdade não é fácil de se alcançar, não é genérica.
Mas, divulgar o pensamento que busca a raiz da opressão, apesar dos riscos, é um favor à causa dos oprimidos. Brecht se faz atual quando, ao analisar o fascismo, reconhece que o fascismo é algo intrincico ao capitalismo. A verdade é que o fascismo está imerso em qualquer forma de governo dentro do capitalismo, sendo ele uma arma que se necessário, será usada. Nós vivemos, atualmente, uma crise do capitalismo, uma crise econômica, social e climática. Perdemos muito por não ter uma força antagonista que evidencie essa crise e aproveite-a para emergir como alternativa. Mas, o capitalismo, preventivamente e aproveitando a inércia e derrota da esquerda, utiliza mais uma vez dessa arma do fascismo para progetar-se, para testar os limites da expansão capitalista. Enquanto vivermos sob o capitalismo, iremos viver sob a ameaça do fascismo, pois, “O fascismo é uma fase histórica do capitalismo”. A democracia burguesa é uma mascara usada apenas quando convém e, cada vez menos, mostra-se necessário usá-la.
Portanto, irá dizer Brecht: “Os que são contra o fascismo, sem tomar posição contra O capitalismo, os que lastimam a barbárie como resultado da barbárie, parecem pessoas que querem comer sua porção de vitela sem abatê-la, Querem comer a vitela mas não querem ver O sangue. Contentam-se em saber que o açougueiro lava as mãos antes de trazer a carne.”.
Mas, qual a relação que podemos fazer entre a realidade fascista em que nos encontramos e a questão da verdade? Bom, a verdade — e isso já havia percebido dentro do feminismo — torna-se cada vez mais proibida. O preço de escrever sobre a verdade é alto. Qualquer pseudo escritor liberal consegue fama no mercado literário, mas, tente escrever sobre a verdade… O ostracismo será a resposta. No feminismo falar sobre a realidade material das mulheres tornou-se conservadorismo. Denunciar a objetificação, a exploração, a perpetuação de papeis de gênero, se tornou conservadorismo. Em pouco tempo os defensores da pós-verdade conseguiram criminalizar qualquer tentativa de debate sobre mulheres ou sobre o capitalismo.
Portanto, sim, Brecht não poderia ser mais atual a reconhecer que a exigência do materialismo histórico dialético, a exigência pela verdade, é exigir que se tenha a coragem de dar a cara a tapa, de assumir um risco. Devo concordar com Brecht… “Exige-se muito, quando se exige do escritor que escreva a verdade.”. Mas, infelizmente, para nós, é impossível não escrevê-la. Somos casados com ela. Temos um compromisso com a verdade.
Lara Marinho,
professora de história.